Aporta no Rio a nova música de Minas
Programa do governo estadual incentiva artistas a tocar fora das Gerais
Fábio Fabrini BELO HORIZONTE, para O Globo
“Sevirologia” é um verbete à margem do idioma oficial, mas popular no meio artístico. Entre os músicos brasileiros, então, quase todos já aprenderam a “arte de se virar”.
Pergunte-se aos rappers Dokttor Bhu & Shabê, de Belo Horizonte, ou à turma do Sambavesso, de Juiz de Fora. Eles sabem bem o que é carregar uma bateria num ônibus lotado ou viajar em de um fusca com cinco pessoas, mais os instrumentos. Daí o valor de um empurrãozinho, que garanta produção, cachê e palco montado.
O sonho começou a se realizar anteontem e vai até o dia 31, quando os dois grupos e mais dez bandas mineiras se apresentam em casas cariocas.
Desconhecidos país afora, pela primeira vez eles usufruem de uma estrutura mais profissional. A oportunidade foi dada pelo Música Minas, programa criado pelo governo mineiro para projetar músicos locais além das montanhas. A série de shows reunirá uma amostra bem variada – e de qualidade – da cena musical na terra do pão de queijo.
Verba de R$ 1,5 milhão para shows fora de MG
O projeto foi criado este ano, em parceria com o Fórum da Música de Minas, que reúne associações do setor. O governo repassou R$ 1,5 milhão para que elas realizassem, entre outras atividades, 75 shows fora do estado. Um edital público foi lançado para que os interessados se inscrevessem em três categorias (artistas de renome, destaque ou revelação).
Entre 300 bandas, 25 foram escolhidas e poderão fazer, cada uma, três espetáculos, com direito a transporte, hospedagem, estrutura de montagem e divulgação.
Os cachês são de R$ 2 mil, R$ 4 mil ou R$ 8 mil, conforme a modalidade de inscrição. Como contrapartida, os beneficiados terão de participar de 25 workshops contando suas experiências, no interior. Já houve temporadas em São Paulo, Salvador e Recife, com casas cheias. Para garantir público, a estratégia tem sido casar os novatos com nomes mais conhecidos, como Toninho Horta, Vander Lee e Marina Machado.
– Minas tem uma produção rica, poderosa e de qualidade, mas não consegue escoar o produto. Não formou corpo capacitado, e faltava política pública para perceber isso. O setor precisa sair do estado, botar as mangas de fora – afirma o produtor Maurílio Kuru Lima, um dos gestores do programa, acrescentando que os artistas têm aproveitado as viagens para fazer contatos e apresentações paralelas. Além da verba para os shows, um edital, publicado todos os meses, paga passagens de músicos convidados para eventos dentro e fora do país. Também é possível importar nomes.
No Rio, a logomarca da invasão mineira tem um bondinho escorregando entre triângulos inspirados na bandeira de Minas.
Mas a programação foge aos estereótipos de movimentos como o Clube da Esquina, dos anos 1970; o heavy metal do Sepultura, dos 1980; e o pop de Skank, Pato Fu e Jota Quest, mais recente. A temporada mineira começou na sextafeira, no Teatro Odisseia, com a cantora Aline Calixto convidando o mestre Monarco e o grupo Sambavesso, que mistura rock com a trilha sonora dos morros cariocas.
– Só não confundam com samba-rock, pelo amor de Deus – implora o baixista da banda, Lula Ricardo, dizendo que o som é mais pesado.
O repertório tem Noel Rosa, Gonzaguinha, Chico Buarque, Ataulfo Alves e Paulo César Pinheiro, pervertidos por guitarra e bateria.
– Podem até torcer o nariz, mas ficou uma mistura bem interessante – assegura Lula.
Os rappers Dokttor Bhu & Shabê, que se apresentam com o DJ Roger Dee, vão estar hoje no Odisseia. O trio faz samples a partir da black music dos anos 1960 a 80.
As letras fazem protesto, crítica social e falam de amor, mas não largam o sarcasmo.
– O rap tem uma abertura muito grande, pode falar de tudo – comenta Dokttor, que, antes de ir a São Paulo pelo programa, nunca havia se apresentado fora de Minas.
Kristoff Silva, Tom Zé e Frank Zappa em um show
No sábado também no Odisseia, é a vez de o Pandeiro Mineiro fazer releituras de clássicos e sucessos recentes da MPB, de Jackson do Pandeiro a Zeca Baleiro. São 11 integrantes, que tocam instrumentos harmônicos e de percussão.
No Cinemathèque, sobe ao palco Juliana Perdigão, cujo repertório reúne composições de novos artistas mineiros, como Vitor Santana, Kristoff Silva, João Antunes e Pablo Castro, e obras menos conhecidas de Gil, Caetano, Tom Zé e André Abujamra. No balaio, há ainda Frank Zappa (instrumental) e Nino Rota.
– O show é um retrato das coisas que ouvi muito e de que gosto – resume a cantora, que considera inviável produzir um show sem incentivo. – Só a locação de um espaço é caríssima, não há ingresso que cubra.
Dia 22, o rapper Renegado, que acaba de receber prêmios nacionais, mostra sua mistura de baião, maracatu, afrobeat e outros estilos. Ele convida o DJ Marcelinho da Lua, no Cinemathèque.
No dia 30, a banda Falcatrua relê Tim Maia com roupagem pop. A programação inclui ainda os cantores Maurício Tizumba, Lucas Avelar, Tom Nascimento e Pedro Morais, além do grupo de samba Zé da Guiomar.
Fonte: O Globo, 12-10-2009 – Link para ler no original: http://www1.oglobodigital.com.br/flip/